sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A M O R

Como se eu não estivesse aqui de fato. De repente sou flagrado por uma consciência surda-muda enquanto atravesso a calçada, enxugando o suor que escorre das têmporas com as costas da mão. Dias quentes. Alguns metros adiante o asfalto oscila diante de mim. A Terra vai morrer em breve e não sei como me proteger do futuro assustador. Lacrimejo sem querer - terá sido o vapor? A língua seca, uma outra gota de suor se formando na extensão de minha coluna vertebral. Sou tão biológico.

A planta é verde mas de tanta poeira observo que suas folhas estão pálidas. Poeira do mundo, migalhas de nossos grandes feitos. Humanidade velha. Qual a razão? Tem uma sombra adiante, vou cair nela e ficar deitado até que, como um metal super aquecido, possa me fundir ao chão. Cimento não, tampouco as coisas mortas. Vou passar direto pela sombra, é isso, decidi, vou passar direto pela sombra e provar do suor salgado saindo de dentro de mim. Mais uma lágrima.

Voo do pensamento acima das (poucas) nuvens no céu de hoje. Imensidão azul, como um mar que existisse sobre nós e somos os seres mais próximos do centro do planeta. Voo do pensamento para onde não haja motivo além da própria palavra motivo. Mar de motivo e eu. Mar de motivo para amar. Todas as cores girando em espiral, mentalize a espiral, todas as cores existentes girando sem fim na sua direção e a sensação de estar flutuando. Uma placenta: amor de mãe. Os olhos são pouco para aguentar a Beleza, é preciso doar a pele por esta causa.

É preciso doar a pele por esta causa e abraçar. O abraço como realização de toda vontade que ultrapassa os sentidos. O abraço como realização de toda vontade que ultrapassa a existência. Amor de graça. Fazer sombra pro coração um do outro nesses dias tão quentes que derretem toda matéria. Esquecer a matéria, abraçar com braços de soluço aquilo que não se vê. Abraçar com braços de soluço aquilo que está ali, não importa se vemos ou não.

Amor humano. Tremelicar os dedos no ar, tal qual criança descobrindo o oxigênio. Encontrar no ar outros dedos tremelicando, tocar estes dedos, descobrir junto com eles que o oxigênio nos une a todos através de uma necessidade. Descobrir no outro uma parte do oxigênio que lhe cabe, e saber roubar-lhe o ar docilmente. Num suspiro. Ar que falta, amor que sobra. Inspire profundamente, meu amor, e pense no que seria de você sem este ar que entra: eu sem você. Amor sexual. Todas as sensações divinas que se consegue por ser humano. Uma nova face da dedicação.

Olhos lacrimejando. O que é a gravidade que eu esqueci? Amor sem nome. Amor embrião. Descubro que estou lacrimejando pelo corpo todo e o calor já não é mais motivo, há uma diferença entre os pés no chão e o chão nos pés. Ou você racionaliza o que está composto ou a razão se compõe a partir de você, e no segundo caso todas as plantas empoeiradas têm o verde mais urgente da vida: urgência por existir. Voo do pensamento pro momento presente: amor permanente. Como se eu não estivesse aqui de fato. Em arco-íris.



B r a y a n C a r v a l h o

2 comentários:

  1. Nossa: Lindo! Emocionante.
    O homem, como ser contraditório que é, ama a si e aos seus semelhantes (semelhantes aqui como seres bípedes e racionais) mas parece incapaz de amar os "outros semelhantes": a planta que deveria estar sem poeira ou o Sol que não deveria estar tão quente.
    Bacana.

    Tô seguindo o blog pq realmente gostei.

    Beijos

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  2. Gostei da intensidade de cada palavra Brayan...

    e é assim que a sensibilidade deixa de ser vista como algo frágil e passa a ser uma grande aliada no poder de seduzir pessoas mal orientadas...

    Abraço cara

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