domingo, 30 de agosto de 2009

Seis cachorros, três cadelas, trinta e dois feirantes e um menino chamado José

A cidade inteira chora um pouco:

Uma criança morta na rua da feira, perto de comida, já tinha um pão velho na mão quando assassinou-se! Verdades também são crianças de joelhos mortos!

A cidade inteira correu, como sempre, no sempre parado e os cachorros tiveram o que comer de verdade na rua da feira: sem bagaços, a carne era fresca e dura e magra, mas já tinha vermes!

Não houve quem reclamasse da mancha de sangue no chão: as pessoas souberam por uma vez que eram perecíveis e depois a memória pereceu velha: depois de correr para dentro de si mesma e assassinar-se!

Eduardo Martins

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Quantos...

Olhava para a mesa em uma certa dúvida de sempre: se sempre fosse assim um espaço plano, o nada seria a queda, mas se o nada fosse, não seria nada...Divagações, apontamentos inúteis, eram um bom passatempo ao menos. O importante é que pensava nela e só conseguia vê-la em nuances de versos, por detrás das rimas: estes tempos que passam sozinhos versam sempre uns bordados belos de palavras: para ele eram bordados desiguais e belos, vermelho sangue dos cabelos dela...

Dos cabelos não esquecia: pôr de sol sempre pondo em semfim de firmamento, como se fossem os olhos dela, os olhos dela assim: astro-i-lógicos em madrugada pele branca e morna!

Como queria que amanhecesse assim, aos poucos, em sua pele, que deitassem sobre ele aquelas brumas quentes e que aquela dúvida que ela tinha estivesse tombada no chão frio dos palcos: se toda a dúvida fosse mentira seria uma bela atuação sem cortes... Coragem dos heróis mascarados dos quadrinhos...Mas os heróis sempre morrem míticos e mudos como o h de presságio...

Ela já corria toda pelo seu sangue, redividia as veias, resfacelava a carne, tingia vermelho o sangue e as paredes dele com seu nome: mesmo quieta e calada reverberava-se em eco eterno! Como o mundo é vazio sem ela, como ecoa ela em todo vazio, enchendo tudo em enchurradas de março!

Quantos anos dormem em um dia sem ela? Quantos sonambulam burlando o sono? Quantos têm nanose de minutos?

A mesa continua toda e parada, pelos pés dela escorre um nada que pensei que enchesse tudo, já não é março, mas uma chuva afina a realidade...a tarde talvez não venha vermelha, mas fria! Ainda há um dia acabando-se em versos por ela e eu, por dentro, escorro todo em vermelho!



Eduardo Martins

Haicaix

roupa no varal
secando ao vento
e o sol soprando

________


morreu de fome
durante a guerra:
foi comer terra.

________


boneca morta
de olho aberto
- destino incerto


Brayan Carvalho

Ele gostava de mentir.

Desde sempre. Não lembrava sequer sua primeira vez, embora soubesse que nunca havia errado a mão nas mirabolâncias de suas histórias. É que nunca mentia apenas por prazer, mentia até mais por necessidade do que por simples aptidão. Se precisava escapar de uma encrenca ou garantir sua diversão arrumando um par para os bailes do colégio, aí mentia. Porque sua felicidade estava em jogo, mas ninguém entenderia o quão importante isto era para ele. E pela felicidade mentia; para a felicidade mentia.

Até que, homem feito já, recebeu no portão de sua casa um garotinho de pouca idade, talvez treze, talvez até menos. Pedia comida, um pão, um pacote de biscoitos, a sobra do almoço, o que fosse possível, na mais pura e singela educação, como se fosse experiente nessa prática. E era, reconheceu o nosso protagonista. Mas aquilo era inadmissível! Uma criança pedindo assim, tão desprotegida, e ainda por cima sem avisar a ninguém! Não estava pronto, decididamente, não era assim que as coisas funcionavam. Aquela cena desmontava toda a felicidade construída a muito custo durante todos aqueles anos. Felicidade de mentira.

Foi quando ele disse pro menino: olha, não tenho nada para lhe oferecer, nem sei porque você veio parar logo aqui neste portão, eu sequer existo, como posso te dar alguma coisa se nem sou de verdade?, entendeu?, então boa sorte e desculpa te desapontar.

Mal terminou de fechar o portão para o menino, o homem desapareceu. Assim, desapareceu, com todas as letras e todo o sumiço a que é digno de um desaparecimento. Desapareceu também sua casa, e junto com ela tudo o que havia dentro - tudo o que era fruto da mentira de anos.

Só o garotinho ainda continuava, de porta em porta em porta em porta.


Brayan Carvalho

Vampiro

Antes fosse. Pelo menos justificaria sua sede. Mas é que - perdoem-me as senhoras e os senhores, pensava ele - mas é que hoje acordei assim. Às três e trinta e três da manhã. Três e trinta e três, riu sozinho, parece coisa de médico quando vai auscultar o pulmão da gente. Levantou foi ao banheiro bebeu água abriu a janela do apartamento olhou pela janela do apartamento: a noite lá fora. Uma cidade que, ufa!, dorme. Depois de tantos anos, a paz finalmente. A paz que, frustrantironicamente, não queria agora.

Folheando a agenda de telefone encontrou-a. Espantado, vale a pena comentar. Pois que não lembrava de ter algum dia anotado sequer seu número, talvez porque não acreditasse revê-la um dia. Não um dia, mas quem sabe uma noite?, sorriu involuntariamente malicioso. Ligou, ligou mesmo, ignorando o três que três vezes tremia no ar. Atenderam. Era ela. Conversaram. Ela disse que sim. Ele disse que sim. Ela disse me espera. Ele disse claro. Desligaram. Cerca de quarenta minutos depois (pra ele foi como inspirar e expirar) tocaram a campainha. Ela, claro. Ele abriu a porta. Ela entrou. Ele fechou a porta. Silêncio.

Hoje acordei me sentindo meio vampiro, sabe?, disse ele rindo do fundo de suas olheiras. Sentia-se seguro na presença dela. Concluiu que havia feito a coisa certa: chamá-la. Colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha (cabelo vermelho vivo, fogo) ela confessou estar esperando pela ligação dele. Tudo indicava que estava tudo certo, arranjado. Faltava só um dos dois se inclinar um pouco para a frente e estava feito. A alma dele estaria salva.

Foi quando, de olhos cerrados, decidiu finalmente aproximar-se, rosto a rosto, lábio a lábio. Mas provavelmente calculou errado a dimensão de seu alvo, pois sentiu que beijava não a boca de sua visitante, mas aquela mecha vermelha de cabelo agora atrás da orelha. Da cor do inferno. E ouviu, muito de perto, o estalar de músculos em seu pescoço. Ficaria por demais desapontado consigo mesmo, não fosse o sono estar voltando bem naquele momento.

E dormiu profundamente, a cabeça sem vida no colo de sua amante.


Brayan Carvalho

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Cala!

Três horas sentado no sofá da sala com a confiança toda esvaindo quase rastejante pelo meu corpo...Uma moleza de sono, já...Fim das cobiças, por alguns instantes, desistência total de doente: logo, conformar-me como se eu mesmo assistisse toda esta incoerência incômoda como um cachorro morto em beira da rua...

Estive lírico e literário, amarrotando-me nas roupas que já não estão mais confortáveis, com o gosto estranho de menta que os chicletes me deixaram na boca: tudo um pequeno cativeiro... Estou cheirando menos ao perfume cítrico que mais parecia o sumo de laranja asiática. Estive e, estar sempre, causa uma coisa esquisita na gente, um confessional berrado a plenos pulmões de noite...

Já quero que ela não venha para poder desistir da certeza da resposta, tudo perdido, eu perdido e tudo... Resquícios de uma honra insólita de antigos cavalheiros: hoje não é mais nada hoje, até a saudade cala!

Eduardo Martins

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Pelos corredores...

Uma noite semi-nua nos seus cabelos pretos escorrendo pelo pescoço, embolando em minhas mãos o seu cheiro!

As pessoas passam, passam os livros, as horas presas nas páginas dos livros, as inspirações didáticas dos discursos gritam quase roucas de sempre entre as paredes, vazam pelas portas!

Nada mais existe e o que insiste talvez não seja nada quando o fim do toda estrada são seus olhos dizendo sim...


Eduardo Martins (Eu disse que escreveria, não disse?)

domingo, 23 de agosto de 2009

Poema ruidoso, pecaminoso e sem poética alguma...Desculpe- me Anna!

Não demora muito, calam-se todos:
Um mundo parado:
Anna pisa em páginas !

Minhas inspirações poéticas nos cabelos ruivos,
Meus lirismos, ai, meus lirismos!
Minha musa nova da velha escola!

Eu todo tremo:
Por inveja aos Modernistas,
Por ódio aos outros olhos,
Por causa do cheiro de Anna!

Não demora muito,
Meus olhos baixam!
Conformo-me!
Por mim mesmo, odeio poesias em dias de chuva!

Prefiro as prosas das gotas,
Calando as palavras dos outros,
Afogando os olhos de lágrimas,
Escorrendo pela alma de Anna!


Eduardo Martins

Breviedade

Na mesa da sala, os papéis amontoados: um pouco de literatura alquebrada, um pouco de caricatura errada, testemunhas fiscais de compras, um copo de café sobre umas notas sem sentido. Muito pouca coisa, muita coisa em papéis: o dia inteiro tinha o aroma ocre do café!

Eduardo Martins

Do nada...

Não pensava em nada enquanto andava pelas ruas da cidade cheias de gente, cheias de cães soltos e de carros cheios: eu era o único vazio no meio da rua, andava sempre cheio de nada!

Enquanto: as ruas corriam paradas de tempos em tempos e depois de algum tempo paravam para que corressem por elas os passos, os percalços dos tempos, os sapatos gastos de firmamento que Deus usava para pocurar um novo pasto!

Depois, :mais nada, : eu, :do nada não estava mais na rua!

Eduardo Martins

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Queda livre

Uma gota, depois outra, depois outra, depois outra
Outra antes de ser gota
outra apenas
Chuvarada na janela da sala

Eduardo Martins

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Dezoito horas

Menino correndo pela rua, engolindo um doce
A noite engoliu o menino inteiro

O menino sumido, a noite preta no alto do morro
A noite, de joelhos ralados da queda, acocorada no morro

O menino de joelhos ralados, com a noite na pele...

Eduardo Martins

ohlepsE

Parei no espelho
Parei
Não sou mais eu que era antes
Mas antes era eu!

Eduardo Martins

Luz

Um relógio marcava devagar o tempo: o tempo silencioso não admite cicatrizes: lá fora tudo corre impune.

Estendido sobre o mundo: o dia
Adia o tempo, não adianta, há dia por esta hora!

Gosto do cheiro do asfalto curtido pelo sol: ao som do sol agitam-se os pássaros, adiantam-se os pássaros fugindo do pôr do sol: ponho o sol no cais do porto: aportam-se os pássaros em dias de sol!

Eduardo Martins

Perderemos as Borboletas

Não demora muito, jaz defunto o corpo das borboletas!

Nos céus do mundo, tudo calado! No chão arrastam-se as lembranças de umdiassódevidainteira! Eram onomatopéias de luz caindo!

Servem ao solo as asas das borboletas agora: as de antes corriam pelo silêncio de ontem! Agora, não servem mais para nada!

Brayan Carvalho (que largou o rascunho bonito no Blog!)
Eduardo Martins (eu, metido, tasquei coisa minha no rascunho e inventei que era um texto a quatro mãos! Beijinhos para a Clari...)

Convite à Inexistência

Jaz na parede a flor. Branca, plástica, seu fino e rugoso caule contorcido e suspenso como que por uma ausência de gravidade naquele ponto específico. Jaz na poeira, a flor. Uma traça traça planos ao seu redor. Quer casa, ainda que temporária. A algumas pétalas de distância, uma aranha já deu forma a um hexágono impreciso, rede improvisada para turistas desavisados. Vindo beduinisticamente caminhando pelo caule retorcido e empoeirado, uma formiga, uma formiga. Na paciência milenar de um ser vivo tão frágil assim. Reclamará, à sua maneira, pela posse da flor. Tem quem a ajude.

Não toma sol, a pobre planta falsa. Nunca saberá. Mas ambiciona. Pois que apesar de tudo, está voltada para o céu, súplice, as folhas que lhe adornam servindo de braços em reverência. Sua disposição ao longo da parede branca revela entretanto o sofrimento. Por ser plástica. Por não ser. Não precisa de água, nem de luz, nem do ar. Talvez por isto esteja onde está agora: sendo reconhecida por insetos. Sendo cobiçada por insetos. Antes uma imitação da beleza; hoje uma original do desespero.

Jamais ouvira a palavra jardim. Jamais ouvira. Ou ouvirá. Ou virá a ser.

O hexágono da Dona Aranha Que Subiu Pela Parede move-se no silêncio. A mosca, presa. Agora. Ali. Manifestação mais vívida da vida, asinhas coladas à teia, patas pretas reagindo sem reação. Morrerá de cansaço muito em breve, e se não morrer logo mais a aranha ausente terá voltado e seus muitos olhinhos estarão brilhando de contentamentodiabólico. A traça mal sabe o que está acontecendo, apesar de sua postura atual denotar algum alerta. E a formiga subindo.

A flor, infeliz, sombra iluminada, assiste a tudo na ignorância.
É a vida em si, que ela nunca entenderá.


Brayan Carvalho

Flagra

Caminhão-pipa no céu
chovendo nas mãos do menino.


Brayan Carvalho

Chovia

Estava na rua, olhou o céu, boquiaberto!Deteu-se um pouco em si mesmo! (Parado)
A alma escorrendo pelos dentes, o céu alagando a garganta!

Depois o céu boquiaberto, seco e surdo, empalideceu: andou comedido, com lágrimas nos olhos, pelos timbres da garganta! Tropeçou, fugiu aos berros, empoleirou-se, voltou ao céu (Parado)!

( O homem voltou a andar pela rua, vazio e seco, entrou num beco....chovia!)

Eduardo Martins

Psicologia da Poligamia

Sono. O carinha, encerrado em seu quadrado quarto bicolor, mirava com uma voracidade mórbida a pilha de livros na cômoda. Inalando a solidão na própria mão agora em concha, tentava desvendar alguns poros: olhos da epiderme. E os livros, torreficados, palavra-rejunte-palavra, vivos seres limitados ao retângulo, reluzindo indo indo indo. Ficou decidido: estendeu a mão a um Sthendal e flap! flap! flap!, eis. Noite afora.

Na metade final entediou-se. Não do livro, mas de estar. Lentamente foi desamando, despindo as retinas frágeis e repudiando preguiçosamente a situação. Reempilhotou a amante. Obra. Cobiçou a mão novamente, vendo-se insone - além de ansioso aflito tudo. No meio do meio-dia, a mão em concha na cara carrancuda, chorou no portão. Copiosa, copiadamente. Pois assim fazia com as mulheres. Mas viu-se fêmea efêmera e não pôde se compadecer de si. Embora, soubesse-o-a.


Brayan Carvalho

Desertor

Chegou tarde em casa, sem as chaves. Precisou arrombar a porta para entrar. Riu inseguro da ironia daquilo, pensou no que pensariam dele. Entrando - o ronco rijo e eterno da mãe - bebeu dois goles d'água direto da garrafa azul na geladeira e, sem acender qualquer lâmpada, pegou um disco dos Smiths. Saiu logo loguinho, deixando encostada a porta que à força abrira. A maçaneta, agora inútil e flácida, pendia tosca por ali.

No carro da Lu, beijos pop-art com um quê de melancolia. Play. 10Km/h, 45km/h, 80km/h. Pensou no que pensava que pensariam dele e riu, taquicárdico. Ela cantava junto, e alto. Ele ardia, como assim? O fato é que, hora depois, o carro sozinho - portas abertas sorvendo o abismo - cantarolava a marcha fúnebre das guitarras setentistas.


Brayan Carvalho

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Catarse

Percebi-me sozinho no fim da rua, vendo o tempo correndo e você nua na vitrine do tempo! Há tempo ainda para ser eu mesmo, andando a esmo destro, ao mesmo desconexo tempo de mim mesmo sem nexo correndo nos ares do vento.

Por entre seus cabelos deita-me lento o vento nu do fim dos tempos de antes de eu estar dentro do vazio da rua, sabendo que você, nua, vadia os dias perdidos no tempo. Não me contento com o fim oligárquico das poesias antigas, nas nefastas feridas, dos versos de cárceres castos.

Os poetas velhos e gastos, que não cantam a cicatriz das feridas, mas só o sangue escorrendo de guerra perdida chorando nos braços das musas do velho Parnaso, não correm seus passos pelos rastros do futuro que segue marchando obscuro no silêncio dos tempos: Vanguarda do não ser nada mais que si mesmo prometido como ser que tornará a ser um póstumo tempo.

Por entre o mundo corro como uma rua vazia, não toca-me o dia, não sopra-me o mundo ou mesmo o fecundo traço da pena dos poetas mortos. Caio póstumo nas musas de vidro que tomam-me a mente nua deitada nas curvas do tempo.

Sou apenas penas do tempo apenas.

Eduardo Martins

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Ponteiros

Durante escadarias rolando nuas em pedras de ruas das luas de ontem, quando sou quando inexato de tempo presente rolando ausente das escadarias, das noites e dos dias debruçados em si mesmos fazendo observações à esmo no mesmo sempre mesmo que não tem quando, sou quando apenas é quando sempre uma marcha rente ao quase tempo do relógio andando em marcha de tempo, debruçado nas escadarias rolando nuas sobre as pedras-ruas dos rostos esculpidos nas luas de tempo detento em quando de memória contada, calculada, sangrando aguada depois de rolar as escadas dos relógios de engrenagens pendentes nas novas pastagens do tempo, repetidas e revividas em memórias alagando as vidas dos pastos de emplastos da memória a passo lento de tornar-se memória presente.

Presente, apêndice inexistente inflamando o tempo, ocorrido e recorrente, escorrento gelado e rente pela memória aguada, empurrando -lhe da escada em assassinato indescente, em passo decente de estrela cadente caindo em frente aos pés do tempo. O tempo rente ao choro, de ouro indiferente, conduzindo descrente os passos dos tempos de ouro lembrados em socorro de um presente inflamado, de um apêndice delgado de restos de choro do tempo lamentando a queda em solavanco dos passos da memória partida em esquife vencida, enterrada em ferida escorrendo as horas das pernas do agora, gárgula parada que chora, o choro do tempo.

Se pudesse chorava memória nova, planejava chocar as ovas de bagres perdidos nas profundezas das memórias chorando o tempo suicida correndo em queda livre sobre si mesmo como um eremita fugindo de ser (o) apenas (de) si próprio, perdendo(-se) comum e impróprio no próprio laço que lhe prende o braço ao braço do tempo pendente nos ponteiros do relógio, escravo do correto lógico das engrenagens aguadas das memórias douradas pelo ouro largado sobre o próprio tempo: memórias soterradas de lágrimas duras.

Eduardo Martins

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Hoje em dia

Ao alto, mão vazias seguram o dia claro de asfalto ao meio dia sem idade, o fim certo da puberdade tenra do dia: O dia vestido de dia são as mãos de uma moça ao meio dia correndo sozinha com as pernas surgindo nos vãos do vestido vestido de dia!

No fim do dia, os cabelos macios, o colo de fim de tempo de estar no colo reclamado, conquistado, aturdido nos meus olhos vazios de dias chorados, novos dias herdados do final dos meus dias que começam nos dias que marcham de hoje em diante com os próximos dias!

Chove um dia inteiro num dia inteiro, alagado, correndo escorrido, um dia inteiro chove cheio de um dia inteiro perdido.

Eduardo Martins

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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Acabou a finalidade: reticências de esperança canceladas diminuem em pleno litígio, ponto final.

O mundo posto em postas não vale mais que um simples prato largado em mesa vazia, alimentando ratos, apodrecendo ao meio dia sem pudores, esponjoso e seco, o mundo em postas não vale apostas nem mesmo no mundo.

Se ponho tudo abaixo, ergo um ego de escombros e entulho, novas ruínas minhas: eu todo sou o mundo e o mundo não vale mais que um prato vazio sem postas de mundo. Redundância das respostas secas: produzir as secas das retinas do mundo: o mundo mudo não muda em nada, salgado à beira de beira de mundo: o fim do mundo não termina nada.

Palavra de poeta: verso quebra sem quebra de página... No mundo, verso engole o mundo, morre, seca e trava as raspas caídas dos versos da boca do mundo! No resto, aposto que o mundo é um pedaço imundo de gente cortada em postas.

Eduardo Martins

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Ver...

Eu não cansei. Na verdade, a verdade é esta: pura, simples, modesta, recostada na parede da minha retina, mole, quase morta, constante, nuca retirada pelas próprias pernas nem pelos braços de outros. A verdade é velha, olha-me com bondade fraudada, mas não deixa de ser verdade, menos ainda de estar na minha retina desgastada de coisas de fora.

Não perco o gosto de vento das alturas de algum ato, comportamento perfeito, asa ilustrada por feito de olhar agudo, deixando mudo os olhares contrários. Se voo nos ares não deixo os olhares cortarem-me as asas de vento puro em muralhas!

Olho com olhos de mar do céu derramando meus olhos em chuvas que choro salgadas de mar de lágrimas de gente arrependida, de ave ferida em céu de mar úmido, salgado, molhando minhas asas com o sal proundo dos mares derramados: os ventos, desalmados, se perdem em exorcisados céus cheios de sal. Bem ou mal, a vida morta no céu conserva-se deitado na grosseria do sal que chove o mar que sorve o céu inteiro.

De escudo apostos, apostando em vitória, choro afogado em mim mesmo, caindo certeiro sobre a minha verdade! Morta, vela-se oposta aos ventos, sobre o veleiro rouco de minha voz ensaiando novos mares! Mares, lares de mim mesmo de mim vazios, do mundo cheios, não reino mares em ares não meus, escorro-me inteiro, sem leme e sem vela, arpoando as costelas dos mares de mim!

Eduardo Martins

sábado, 8 de agosto de 2009

Flanco!

Ao flanco esquerdo dedicaria uma flechada franca! É um presente sincero e mortal, mas é essencialmente um presente, flecha prometida, corrida, de apoio em meus próprios dedos fechados em ferida planejada para mim: solitário destino que eu já vi, agora em cena: encena, acena um sibilo de vento parado na ponta da flecha de cauda de pássaro que em madeira se aninha e se fecha!

Pesa concluir num dia: um dia ainda não concluo nada ainda sabendo que ele é todo um dia voando em entrada de conclusão. Um dia confundo-me em mim mesmo e perco-me do dia. Hoje, que concluí demais, perdi e ganhei muito com ar de homem sábio atrás de barbas de Barrabás das dúvidas, sem dívidas previstas, sem cristo executado! Um dia correu pelas ruas todas e perdeu-se em todas as minhas ruas, mas me encontrou e me disse quem era eu!

Quando concluo, como dizia, sei coisas que dizia sempre e por pouco desacreditei, mas penso que, se não acreditei, errei, e concluo tudo o que dizia! Concluir de verdade só presta para ser o que é quando puxa uma lágrima escondida que pinga aos poucos apenas para as conclusões, mas nunca se esgota (salgada e poliglota) pois são poucas as verdadeiras conclusões! Saber o fim é uma dor rompante em face arredia, antes redimia, hoje oprime o que esvazia o fato: o fim, se sabe, é sempre o mesmo ato que se dá sem fim!

Eu não sei mais nada se te vejo chorar: na tua face cai em gritos miúdos uma solidão que era só minha! Agora, uma flecha sozinha encerra-me o flanco no agora sem destino: destino, no mundo, só mata em ponta de lança em bonança de fé, fora do mundo não mata alguém (matar ninguém é sempre promessa explicada de falso assassino!)

Não consigo controlar uma comoção de me ver brotar nos seus olhos, um disparate sincero que não combina comigo, mas que sou eu! Quando soube que eu era eu, percebi que ser eu era ser apenas não outro que não fosse eu: obrigações que podam as asas das conclusões levem e pesam-lhe sinceridades: afunda-se tudo no fim de mim mesmo: transborda-me o flanco: concluir me deixa sempre muito sozinho comigo!

Eduardo Martins

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Declaração!

Sério, seria melhor ser: ia, se ria e, se Rio não fosse água corrente formando estado decadente, seria tudo mais sério!

Se pudesse alongava o tempo de conversa no aterro de perto de casa em pincelada leve, nas tuas mãos alongada, puxando a brisa leve da breviedade daquele tempo sobrevivemente aos minutos calados, chorando desesperado os tempos enterrados depois do mar que banhava a terra de restelo, agora resto sem morte e sem zelo, enterrados nos lábios do tempo do aterro!

Não sei mais te olhar sem ternura duvidosa de poesia: se fosse você, um dia, fazia você retrato do dia de antes dos dias passados:início assim, recém nascido iniciado em si!

Se fosse noite traidora das decisões derradeiras, abriria as asas da noite inteira e deixaria ser você a noite, cheia de dia em açoites sem agonia da tua pele branca, amanhecida em branca pele de dia!

Eu juro, de verdade, que a verdade é apenas vaidade das penas desta noite de sempre! Às três da manhã, atormenta-me não de tudo e sim de pouco, aos poucos, lembro que não ser você faz da noite morrer em dia! Morro um pouco e de dia amanheço no seu colo vendo ser, quando acordo, que seu colo é sonho de noite em açoite no sólido dia!

Quando você para de ser o dia, o dia não suporto, não me importa mais este tempo de sibilo mudo de enguia: guia-me o mundo este mundo sem guias!

Eduardo Martins

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Cortes

Metade de mim em mim mesmo ainda nega ser metade a outra parte inteira que a primeira vê sobra derradeira da etílica paródia que é metade ser todo sem ser ela toda a vulgar idéia moderna de que algo assim é todo anti-idiossincrático, caótico presságio lógico das lógicas comuns!

Alguns, muito completos, viram objetos descansando em mesas de dia a dia, sem idéias vadias do que é ser realmente, vida demente e receptiva a tudo que não encoste, que não machuque, que não morda e não arraste a pele desnuda para outro embate com o espelho, com o frio derradeiro que de por vir vem sempre antes, em passo médio, remédio distante de toda a discrepância de adultério sorrindo e despindo passado desenhando futuro!

Metade de mim, que é sobra revoltosa, amarra-se em grossa corda umbilical e inegável com a esquerda deplorável e ditadora, percursora de outras lógicas de virar lágrima em apêndice inflamado da não aridez dos seres humanos sem verdades sólidas de ternos bem cortados desfilando naufrágios em gôndolas italianas, em palavras soberanas do vácuo vaticano de toda cristandade de legítimas verdades ilegítimas, presas e datilografadas em gaiola elaborada pela necessidade das crianças sem deus visitando seus medos em repleto desasssossego de serem menos que deus!

Metade ainda, mata-se deploravelmente, por razão ou por vontade de ser gente acima de ser metade e eu, em pobre e burra puberdade de ser, olho este não ser atônito das grandes guerras de dois soldados iguais, de tal forma idênticos, que comem o mesmo pão purulento que o soldo paga soldado em adaga presa na pele de inteiro: Metade é fim derradeiro de outra metade neste golpe fim de siamesessempre, estes gêmeos indecentes da burra gênese humana! Melhor quebrar-se até esquartejar toda metade e impedir a guerra de gente pouca vingativa por ser inteiriça dentro de costela de gente, para sentir o gosto na saliva de ser mais do que metade: uma cria de compassos comparecendo em si mesma sem ser a burrice que esgueira em coletivo!

Metade de mim é ser vencido: eu, em perigo, mato a outra metade!

Eduardo Martins

domingo, 2 de agosto de 2009

- calabocagora -

você já (ven)deu o que tinha que (ven)dar, meu caro importado com as questões políticasafadas atuais, és pingos nos is, acentos nos óis ou palavrão pequeno? príncipe! é a queda mortal da literadura como pedra na janela, nela própria, já, responda ao comando e como ando andando ultimamente afinal? pergunta o generalimentado dos cadáveres colecionados: borboleta ou cachorrinho? se morre Julieta Romeu fica sozinho? pobre rima, rimartelando a mesma fábula de remédio cedido gratuitamentecapto através da lógica pervertida do mundo afora às forras com todo mundo do mundo

é a hora

pessoas reclamam camões abertas pro céu sem paz sobre a terra, pra debaixo dela, pra debaixo dela, quer um bunker? mulheres e crianças em fila falam do fim do mundo o olhar profundo pro fundo do pano profano que cobre o corpo falecido - vivo teria sido um guia, disso todo mundo sabia, está capitulado e existe para estar do nosso lado nos momentos difíceis, vocês sabem

a hora?

contando carneiros antes de dormir se alcança a realidade virtuosa (virtual com saborosa) da paz d'espírito tão panfletada por aí, porra, aí, não há mais assunto nem assento a ser tratado tarde essa hora hoje, precisam todos dormir descansar pra cansar novamente no dia seguinte: siga, indigente, siga indigente pra casa caçando sarna-sarney pra se ridicularizar perante um monte, perante Maomé e a corja-discórdia diz: corja, corja, corda, acorda!

ora!

será tardemais? será cera em demasia nos ouvidos da gente-gentalha todo dia? que morra, canalha! e não cubram resto algum com mortalha:

fora!


Brayan Carvalho

sábado, 1 de agosto de 2009

Da Morte

- Foi uma festa! Você nem imagina, ah mas não imagina mesmo! Pra começar, foi tudo de surpresa: daí você já tira as conclusões. É que ninguém esperava, sabe? Tava todo mundo sossegado cada um no seu canto, fulano na casa da noiva, beltrana corrigindo as provas dos alunos, sicrana fazendo sabe lá Deus o quê (uma desvairada, essa menina) e de repente, um de repente ao quadrado, ao cubo!, e de repente já era. Foi. Nem chamou nem gemeu nem gritou, só... foi. Capaz de não ter nem doído, sei lá. Sei é que num clique tava todo mundo em casa, até gente que não sabia inicialmente do evento, everybody meeesmo! Pessoas entrando e saindo dos quartos, casais, trios, um fuzuê só! Depois teve a água, a limonada, abriram um vinho seco e chamaram mais gente pelo telefone. Não demorou já tinha um bêbado tomando banho nu amparado pela namorada, pra ver se melhorava. Isso tudo porque passava de uma da manhã, agora veja! Aí parou carro na porta da casa, desceu criança, levaram embrulho, povinho bem vestido, Zona Sul do Rio, gente chique, com dinheiro. Por um momento parecia que ia rolar até briga, mas souberam se aguentar. Uma coisa feia, discutindo sem nem saber das coisas... sempre mulher e dinheiro... enfim, você perdeu mesmo, foi marcantérrimo! Vai demorar um tanto pra esquecer, viu? Só quem esteve lá sabe como foi! Vai deixar saudades, ai!


Brayan Carvalho

Parte 0: Parte 1

Cinza o céu, uma borboleta. Dentro da janela o silêncio. Café pronto esfriando na pia da cozinha, frio o mármore, rádio velho ligado chiando no canto oposto uma canção inocente e gaita e a voz bonita crescendo. Sofá da sala ocupado: dormiu lá. Três galos cantam, um depois do outro: um e mais um e um mais. Um grilo, um passarinho, cães, a tosse do bebê, a música que mudou - de repente sinfonia. Em fá, não fajuta, em fá, a quarta das notas, em fá, um arranjo jazzístico.

Primeiro pé no chão frio, dedos envoltos na meia meio velha. Joelho estaal dobrando, estrela no céu lá fora repiscando cada vez mais fraca. Longe o sol surgindonde? O dia começa violinizadamente que o rádio velho chia chia chia... tem nada acontecendo não, pula a hora agora minha senhora, simbora!


Brayan Carvalho

Parágrafo

Nas ondas dos cabelos negros passam todos os navios desespero carregados em fim de noite frustrado em ser início de outro dia! O vento, em agonia, desfaz-se da marola em outros restelos de ventos, para proteger do firmamento o breu dos cabelos tomados de velo de próprios pensamentos sequestrados: firmamentos orados pelos próprios pensamentos fazem com que sejam eles mesmos as colunas mais fortes que o cimento das cidades do mundo, para sustentar o grito profundo agitado nas águas rasas sobre os ossos assobradados de cabelos negros noites em açoites claros de dias!

Eduardo Martins