quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Vampiro

Antes fosse. Pelo menos justificaria sua sede. Mas é que - perdoem-me as senhoras e os senhores, pensava ele - mas é que hoje acordei assim. Às três e trinta e três da manhã. Três e trinta e três, riu sozinho, parece coisa de médico quando vai auscultar o pulmão da gente. Levantou foi ao banheiro bebeu água abriu a janela do apartamento olhou pela janela do apartamento: a noite lá fora. Uma cidade que, ufa!, dorme. Depois de tantos anos, a paz finalmente. A paz que, frustrantironicamente, não queria agora.

Folheando a agenda de telefone encontrou-a. Espantado, vale a pena comentar. Pois que não lembrava de ter algum dia anotado sequer seu número, talvez porque não acreditasse revê-la um dia. Não um dia, mas quem sabe uma noite?, sorriu involuntariamente malicioso. Ligou, ligou mesmo, ignorando o três que três vezes tremia no ar. Atenderam. Era ela. Conversaram. Ela disse que sim. Ele disse que sim. Ela disse me espera. Ele disse claro. Desligaram. Cerca de quarenta minutos depois (pra ele foi como inspirar e expirar) tocaram a campainha. Ela, claro. Ele abriu a porta. Ela entrou. Ele fechou a porta. Silêncio.

Hoje acordei me sentindo meio vampiro, sabe?, disse ele rindo do fundo de suas olheiras. Sentia-se seguro na presença dela. Concluiu que havia feito a coisa certa: chamá-la. Colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha (cabelo vermelho vivo, fogo) ela confessou estar esperando pela ligação dele. Tudo indicava que estava tudo certo, arranjado. Faltava só um dos dois se inclinar um pouco para a frente e estava feito. A alma dele estaria salva.

Foi quando, de olhos cerrados, decidiu finalmente aproximar-se, rosto a rosto, lábio a lábio. Mas provavelmente calculou errado a dimensão de seu alvo, pois sentiu que beijava não a boca de sua visitante, mas aquela mecha vermelha de cabelo agora atrás da orelha. Da cor do inferno. E ouviu, muito de perto, o estalar de músculos em seu pescoço. Ficaria por demais desapontado consigo mesmo, não fosse o sono estar voltando bem naquele momento.

E dormiu profundamente, a cabeça sem vida no colo de sua amante.


Brayan Carvalho

Nenhum comentário:

Postar um comentário