quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ele gostava de mentir.

Desde sempre. Não lembrava sequer sua primeira vez, embora soubesse que nunca havia errado a mão nas mirabolâncias de suas histórias. É que nunca mentia apenas por prazer, mentia até mais por necessidade do que por simples aptidão. Se precisava escapar de uma encrenca ou garantir sua diversão arrumando um par para os bailes do colégio, aí mentia. Porque sua felicidade estava em jogo, mas ninguém entenderia o quão importante isto era para ele. E pela felicidade mentia; para a felicidade mentia.

Até que, homem feito já, recebeu no portão de sua casa um garotinho de pouca idade, talvez treze, talvez até menos. Pedia comida, um pão, um pacote de biscoitos, a sobra do almoço, o que fosse possível, na mais pura e singela educação, como se fosse experiente nessa prática. E era, reconheceu o nosso protagonista. Mas aquilo era inadmissível! Uma criança pedindo assim, tão desprotegida, e ainda por cima sem avisar a ninguém! Não estava pronto, decididamente, não era assim que as coisas funcionavam. Aquela cena desmontava toda a felicidade construída a muito custo durante todos aqueles anos. Felicidade de mentira.

Foi quando ele disse pro menino: olha, não tenho nada para lhe oferecer, nem sei porque você veio parar logo aqui neste portão, eu sequer existo, como posso te dar alguma coisa se nem sou de verdade?, entendeu?, então boa sorte e desculpa te desapontar.

Mal terminou de fechar o portão para o menino, o homem desapareceu. Assim, desapareceu, com todas as letras e todo o sumiço a que é digno de um desaparecimento. Desapareceu também sua casa, e junto com ela tudo o que havia dentro - tudo o que era fruto da mentira de anos.

Só o garotinho ainda continuava, de porta em porta em porta em porta.


Brayan Carvalho

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