quinta-feira, 9 de julho de 2009

Das Residências

Sair de casa e atravessar a rua e atravessando a rua entrar no carro. Objetivos diários. Ponteiro tic-tac-tic do relógio na parede do quarto vazio, ninguém dorme lá mas há um relógio. Cronometrando a inércia. A casa nunca acorda de verdade, a casa é o silêncio que se faz depois que um assunto acaba - e a vida é um assunto do qual não se argumenta. A vida é sair de casa e atravessar a rua e atravessando a rua entrar no carro. Aliás, este carro vive mais do que a casa. O nome já induz: este carro há de carregar pelo mundo afora. A casa morre na impotência de um animal invertebrado.

A pia da cozinha vive seca. O mármore desidratado vira cimento, chapisco de muro, arte bruta. Estala a geladeira e a estante na sala oscila. Tudo reverbera e a tinta das paredes escurece quinzenalmente, o ar não corre pelo corredor que liga os cômodos - tragicomicamente incômodos. A casa não pode atravessar a rua e atravessando a rua entrar num carro. A casa não vive, não sabe do mundo. Nunca verá o mar, nunca subirá uma ladeira, nunca sairá em fins de semana para trocar ideias num bar com os amigos. Amigos que existem, mas que ela não conhece. A casa está proibida de sair do quintal.

A casa nunca ouviu falar de casamento. Sorte a dela, pois implodiria muda de felicidade mórbida se soubesse. Casa que é casa não se casa. Perecer: parece que esse é o futuro dela. Nunca aparecer num telejornal, mesmo que seja passando no fundo da cena. Atravessar a rua e atravessando a rua entrar na casa: jamais! Ficará na espera eterna, de janelas fechadas e tic-tac-tic do relógio na parede do quarto vazio. Cronometrando a inércia.

Objetivos? Diários? Casas não podem.


Brayan Carvalho

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